''Mas por que teus lábios sangram, minha menina?''

Érika Amaral diz:
Ela pensa que assim parará com a dor. E sangue tem algo tão sedutor, que ela não consegue impedir.
Camila diz:
E, de fato, consegue pará-la, à dor. Mas só por alguns instantes, só enquanto outra dor surge ali. Ela se engana tão profundamente!
Érika Amaral diz:
Não, não se engana. Ela sabe das coisas. E pensa que sabe, e não sabe que nada sabe, e sabe de tudo, e todos sabem. Ela não consegue se enganar, por mais que queira; até com a dor. Víl dor.
Camila diz:
Vil. E continua fazendo... Seu sangue cobre todas as outras feridas, todas as outras dores, e escorre... Mas elas ainda estarão ali, sempre.
Érika Amaral diz:
Não, nunca mais. O sangue que jorrou vai secar tudo, vai apagar. As feridas, as mordidas, as intrigas; o passado, lamacento, o cheiro da chuva. O cheiro dela. Ela. Secos, nulos, supérfluos e irreais.
Camila diz:
Ela sabe que é mentira, sabe que mente para si mesma. Nega toda a verdade, todo o tempo. Acaba consigo mesma acreditando que secarão, que sumirão. Sabe que ainda estarão lá. O sangue sempre escorre, sua dor só aumenta, e aumenta... Está escorrendo... está aumentando.
Érika Amaral diz:
A mentira é tudo para ela. Andam juntas e se agradam. Ela sabe que aquilo tudo é para ela, tudo. Tudo para ela, o que significa nada. Porque são mentiras. E ela vai continuar, ela não vai ser fraca e acabar com a vida dela; ela vai se agarrar à mentira, e vai sorrir com os olhos chorosos e vai dizer que é. Ela é. Ela foi. E não vai voltar mais. Ela não mente, ela não finje que mente, ela é.
Érika Amaral diz:
Ela é verdade.
Camila diz:
Ela é a mentira, sabe de tal. Tem consciência de si. Sorrirá, e será uma mentira. Somente os olhos encharcados são a realidade. E o sangue, as marcas, as dores. Sorrisos não existem para ela, a realidade não faz parte do conjunto. Ela não funciona mais sem as porcas mentiras, todas de si para si, sem as lágrimas e os dias e noites nauseantes. Sabe que acabará por ali - continuará, mas acabará por ali. Sua vida não passa daquilo, está só.
Érika Amaral diz:
Ela só, não precisa. De nada. E todos sabem!, todos a desejavam, e ela não precisa. Nem precisou. Ela foi-se, porque ela nunca quis, ela nunca quis que a quisessem, ela evitou, revidou, fugiu, foi mais forte. Ela não precisa, ela não mentiu!, ela mal sabe mentir. E ela se contradiz, e nós a contradizemos.
Érika Amaral diz:
Porque queres que ela seja estúpida, sem razão, mentirosa. E ela não é isso. Todos sabem. Ela só é, ela só, ela grita, ela escorre, ela geme, ela foge, ela finje, ela não precisa, ela revida, ela chora, ela sangra: mas ela não mente.
Érika Amaral diz:
Porque tudo que ela é ninguém nunca quis saber, mas a queriam, a desejavam, o seu melhor, o seu maior.
Érika Amaral diz:
Mas ela não quis.
Érika Amaral diz:
Ela não precisou.
Érika Amaral diz:
Ela apenas foi. E só. Só assim, ela conseguiu.
Érika Amaral diz:
Ela NUNCA foi. Ela está aqui. Ainda.
Érika Amaral diz:
Escorrendo sangue dos lábios.
Camila diz:
Dos lábios, de todo o corpo, da alma. Toda a sua alma sangra pelos dias aos quais sobrevive. É linda, uma dama. Por que insiste em ser só? Não consegue, não quer, não vê todos ao redor, não vê que a esperam, se acha só, e isso é tão mentiroso! Não estaria só, se assim não o desejasse. Mas por que desejas assim, menina? Por quê? Ah, minha menina, és tão pura! E insiste ainda em manchar toda a pureza de teus olhos - olhos transparentes, sim, lindos - com farsas. Por quê, menina, por quê? Não queres a alegria? Teus sorrisos tão insinceros, ah!, eles poderiam ser tão diferentes... Poderias ser amada, se quisesse. Poderia ter o mundo. Ainda não aprendestes que não se consegue só? Ainda, menina? Mas por quê? Não deseja companhia? Mas por quê? E a alegria, cadê? Mas, menina... Tens a beleza de um anjo, toda a inteligência de um deus... Por que se torturar, por que mentir? Poderias ser diferente. Poderia ser diferente... Por quê?


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Ela tem talento. Muitíssimo talento. E amor à mesma proporção. Merece um brinde. E um beijo.