sexta-feira, 14 de novembro de 2008

''Senhor...'', lamuriava, sentada n'um quarto vazio, toda perdida n'uma imensidão estreita de fantasmas flutuantes e desesperadores. Chorava tanto, pobre, cansada de todo oco, implorando alegrias inesgotáveis de borboletas segurando-lhe as mãos frias e temerosas. As águas lhe escorrendo e desmanchando as maquiagens servidas para esconder imperfeições mil, tão aterrorizantes, estas, que sentia ela medo de esquivar de si a única lembrança de vida que lhe restava, a única salvação, o único refúgio capaz de abrigar cada medo seu, o único abraço a encaixar tão liricamente dois corações exasperados, necessitados, cheios de faltas e excessos, de saudades e sofreres, quereres inesgotáveis, incontroláveis.
Sem perceber, abraçava a seus próprios ombros, tão só, tão pequena, criança frágil tragicamente convencida de sua orfandade. Seus pés manchados de sangue eram encolhidos contra o resto do corpo, como tentando sumiço de qualquer porção de terra que lhe insistisse em apontar pontas de solidão. Sorrisos - os esboçava de quando em quando, sem o calor que tem a real felicidade.
Tentava contar em seus dedos sujos quantas haviam sido as pueris tentativas de dança em frente àquele espelho estilhaçado, efeito de um ódio, sabia, inerte e eterno. Lembrava-se de como era confortável aquela mão sobre seus cabelos oleosos, seus olhos cerrados à inocente degustação de um beijo em ternura, suas mãos não mais tremendo... Lembrava-se, ou tentava lembrar-se, e parecia tudo então distante e incabível, como tivessem sido seus olhares desde sempre tombados, suas pálpebras assim a querer encerrar seus dias infernalmente arrastados.
Sem voz, tentava gritar, clamaria piedade - Que lhe arrancassem a dor dos cacos de vidro adentrando a pele, que lhe enxugassem as faces, que lhe cuidassem das pernas bambas... ''Meu deus, meu deus...''. Balançava-se em seu mísero espaço ainda mais diminuído, transbordando fés contraditórias à sua paralela desistência, tão angustiada de uma existência que lhe pairava sem deixar-se agarrar. Não percebia claramente seu distanciamento, sua respiração profunda, as sombras cheias de confusão feitas por uma visão que, junta à batimentos cardíacos em calmaria, parecia dar-lhe em presente o descanso com que tanto sonhara. O sono trazia-lhe flores amarelas, asas pálidas voando de volta, pés movendo-se n'um embalo desajeitadamente belo, cabelos emaranhados, juras tranquilizadoras de um silêncio a citar promessas e poesias. Dormida, a pobre sorria seus lábios cortados pela ansiedade, e ali, dormida, é que existia por uma última vez.

10 comentários:

Anônimo disse...

Eu gosto do seu realismo. Gosto mesmo de ler aqui!

Fico feliz que goste do que escrevo também!

beijos.

Pedro Gabriel disse...

Oi oi Camila, tudo bom? Fico tão feliz quando você comenta no meu blog. Pelo menos tenho a certeza que alguém lê o que escrevo. Fazia tempo que não passava por aqui e também tenho postado bem menos. COmecei a trabalhar numa agência de publicidade, agora meu tempo está cada vez mais curto. VOu voltar a ler os blogs que eu lia, vou voltar a ler o seu como antes.

beijos e desculpa minha ausência.

Érika Amaral disse...

Aqui está tão bonito.

Anônimo disse...

É ótimo o jeito como descreve os detalhes do texto.

:)

La Maya disse...

Oi Camila!

Coisa mais bonita e triste... fiquei angustiada com a dor e a solidão atiradas neste texto cortante e ao mesmo tempo tão delicadamente construído, palavra a palavra... Gostei muito!

Em relação ao seu comentário, teci uma explicação desesperadoramente longa, empolgada que estava por voltar a postar...! Aí está:

Exatamente, Camila, "tudo bem?" é uma pergunta limitada, e quem pergunta corre muito bem o risco de ouvir um belo "não", dependendo do grau de estresse do questionado.
"Como está?" soa melhor, mas ainda assim corre-se o risco de ouvir lamentações. É então que eu me pergunto: "você quer mesmo saber ou está perguntando por educação?", porque eu não consigo ser polida, sorridente e superficial quando as coisas não vão nada bem. Não consigo. Até ao telefone as pessoas percebem quando estou bem ou não. Mas então vem alguém dizer "nossa, mas não fique reclamando assim, isso não é bom, não te faz bem"... Acredito que o que não faz bem é ficar engolindo sentimentos. Sorrir enquanto um tornado devasta você por dentro. Maquiar a vida e os relacionamentos no melhor estilo "Pleasantville" enquanto tudo o que você quer é desabafar, é jogar pra fora o que te faz mal e envenena... O problema real neste caso, na minha opinião, está em quando você cospe esse "mal" em cima do outro, sem motivo algum. Mas se o outro perguntou, é sinal de que quer saber. E se ele quer saber, vou ser sincera, ou me calar se resolver que isso pode afetá-lo negativamente. Mas, sinceramente, perguntar e depois dizer "nossa, que pessoa negativa", isso é terrível... Se não quer correr o risco, então nem pergunte...!

Nota: eu realmente estava num péssimo humor quando postei isto, e tinha acabado de passar pela situação! Mas quando passa, bem que a gente relaxa e dá umas risadas...!

Beijos!

Anônimo disse...

Gosto do que escreve!

Érika Amaral disse...

Só.

Érika Amaral disse...

Muros de porcelana. Q'tal?

um báu disse...

Saudações!
Só deixando umas pegadas pra sinalizar que estive por aqui e gostei bastante do que li. Voltarei!
Abração Camila!

Bárbara Lemos disse...

Essa realidade que você descreve é tão nua e crua... e mesmo assim consegue ser tão bonita, quase poética.

É sempre um prazer imenso lê-la, minha linda.

E eis que voltei. Ou espero que assim seja.

Beijo meu.